João Leiva Filho — Doutor em filosofia (Goldsmiths Universidade de Londres), mestre em cinema (ECA/USP) e pesquisador responsável pelo estudo da JLeiva; Ricardo Meirelles — jornalista, mestre em teoria e história literária (Unicamp) e pesquisador responsável pelo estudo da JLeiva
Capital do país, Brasília tem índices de acesso a espetáculos de cinemas (51%), bibliotecas (27%), circo (19%) e saraus (14%) pouco acima da média registrada no conjunto das 27 capitais brasileiras, segundo a pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte. O estudo ouviu 19.500 pessoas com 16 anos ou mais entre fevereiro e maio do ano passado, no maior levantamento quantitativo já realizado sobre os hábitos culturais dos moradores de nossas metrópoles.
Uma comparação com a pesquisa anterior da JLeiva, de 2017, feita com apenas 12 capitais, mostra que o acesso a praticamente todas as atividades culturais caiu. Isso vale para cada uma das capitais pesquisadas em 2017 e 2024, incluindo Brasília. Resultado da pandemia da covid-19 — que fechou os espaços culturais por um longo período e mudou os hábitos da população —, a queda no acesso a atividades culturais fora de casa vem se recuperando nos últimos dois ou três anos. O atual patamar, porém, ainda se encontra, em muitos casos, abaixo dos índices registrados antes da crise sanitária, principalmente no caso do cinema.
Em Brasília, um dado chama a atenção. Num total de 14 atividades pesquisadas no levantamento mais recente, os resultados ficaram iguais ou abaixo da média das 27 capitais, com exceção das quatro citadas anteriormente. No estudo de 2017, os números da capital federal só bateram a média nacional em quatro das 12 áreas investigadas (circo, biblioteca, shows de música e festas populares). Em bibliotecas, Brasília registrou o maior nível de acesso em 2017.
Há algumas surpresas aí. A principal é que a capital federal tem índices de escolaridade e renda elevados. Como educação e renda são as variáveis que mais influenciam o acesso a atividades culturais, sejam elas “elitistas”, sejam populares, haveria potencial para Brasília estar acima da média, o que não aconteceu em nenhum dos dois estudos. Os resultados de teatro, museus e espetáculos de dança ficaram abaixo da média tanto em 2017 quanto em 2024.
Como a margem de erro, no caso de Brasília, é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos, parte da explicação pode simplesmente estar ligada a esse fator. Mesmo levando isso em conta, porém, o acesso fica aquém do que os níveis de escolaridade e renda fariam supor.
Como um paulistano que estacionou por quatro anos no Rio de Janeiro e um campineiro que ficou 20 anos preso nos congestionamentos de São Paulo, não nos aventuramos em ser taxativos na interpretação desses dados, que certamente não têm uma explicação única. Preferimos ficar no campo das hipóteses. Uma reduzida oferta de equipamentos e programação cultural em algumas áreas, aliada a uma rede precária de transporte público podem contribuir para dificultar o acesso da população a algumas atividades. Os agentes culturais e pesquisadores com conhecimento das dinâmicas de Brasília estão certamente mais preparados para analisar os dados.
O ponto positivo, porém, é que existe um claro potencial de crescimento para atividades como teatro, dança e museus. Uma das perguntas do nosso trabalho pede para os entrevistados darem notas de 0 a 10 para seu interesse em ir a essas manifestações. Chamamos de público potencial aqueles que não foram nos 12 meses anteriores à pesquisa, mas que deram notas entre oito e 10 para seu interesse. No caso das três atividades citadas, haveria potencial de dobrar o público. Para shows de música e festas populares, o potencial seria de um crescimento de cerca de 50%.
Um melhor entendimento das dinâmicas que determinam o acesso ou não da população a atividades culturais, muitas delas financiadas pelo poder público, depende de uma base de dados mais robusta. E também de pesquisas quantitativas e qualitativas sobre como a população se conecta com as atividades culturais, e ainda de mapeamentos que deem uma visão mais granular do conjunto da produção cultural em suas diferentes áreas.
É igualmente importante que os dados sejam analisados e interpretados por pesquisadores, agentes públicos e privados. Só assim, eles se tornarão conhecimento. Para entender melhor os resultados da pesquisa em Brasília, realizada por meio da Lei Rouanet, a JLeiva e o Ministério da Cultura realizam hoje, às 8h30, uma conversa aberta ao público, no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os dados da pesquisa podem ser vistos, e as inscrições (gratuitas), feitas no site www.culturanascapitais.com.br.